Diálogo de ruptura

Júlio Cortázar

– Não é tanto que já não saibamos
– Sim, ainda mais isso, não encontrar
– Mas quem sabe tenhamos buscado desde o dia em que
– Talvez não, e mesmo assim cada manhã que
– Puro engano, chega o momento em que a gente se olha como
– Quem sabe, eu ainda
– Não basta querer, se além disso não tem prova de
– Está vendo, de nada vale essa segurança que
– Certo, agora cada um exige uma evidência frente a
– Como se beijar fosse assinar um atestado, como se olhar
– Debaixo da roupa já não espera essa – pele que
– Não é o pior, penso às vezes; tem aquele outro, as palavras quando
– Ou o silêncio, que então valia como
– Sabíamos abrir a janela apenas
– E esse jeito de virar o travesseiro procurando
– Como uma linguagem de perfumes úmidos que
– Você gritava e gritava enquanto eu
– Caíamos numa mesma avalanche cega até
– Eu esperava escutar isso que sempre
– E brincar dormir entre nós de lençóis e às vezes
– Se teremos insultado entre carícias o despertador que
– Mas era doce levantar e competir pela
– E o primeiro, empapado, dono da toalha seca
– O café e as torradas, a lista das compras, e isso
– Tudo segue igual, daria pra dizer que
– Exatamente igual, só que em vez
– Como querer contar um sonho depois de
– Passar o lápis sobre uma silhueta, repetir de cor algo tão
– Sabendo ao mesmo tempo como
– Oh sim, mas esperando quase um encontro com
– Um pouco mais de geleia e de
– Obrigado, não tenho.

In Un tal Lucas (1979)
Trad. Lucas Reis Gonçalves